Primavera
Ele pegou o violão e começou a tocar. Estávamos a sós e eu
comecei a cantar com vontade, sem pudor. Foi quando eu percebi que, entre uma
canção e outra, entre as nossas trocas de olhares e sorrisos, não era só o meu
peito que se preenchia para soltar a voz; me dei conta de que o meu coração também
se abria para um novo alguém. Eh
bichinha... lá vamos nós outra vez!
O receio é natural depois de tantos traumas e desventuras, mas
dessa vez era tudo tão natural e fluido. Senti que não precisávamos fazer
jogos, forçar respostas, tampouco era o que intencionávamos.
Nossas conversas passeavam por vários temas e o assunto
parecia não se esgotar! Um dia, sem que eu esperasse, me peguei escutando sobre
o seu trauma a respeito da separação dos seus pais na infância. Ele se abria de
forma tão ingênua que eu também me senti à vontade para falar das minhas
sombras, a começar pelas minhas torturantes sessões de bullying no ensino médio. Mas não era nada triste, longe disso! Falávamos
com leveza, com um certo ar de chacota, com cumplicidade e um pouco de alívio
porque, por graça, superamos essas malditas fases! E nessas sessões de cura, de
carinho, de autoconhecimento e de conhecimento do outro, horas se passavam sem
que ao menos percebêssemos.
O medo também havia e era constante. A cada novo passo na
intimidade do outro era um frio na barriga e a insegurança de estar indo fundo
demais, rápido demais. Afinal, eu não
estou acostumada com o 'dar certo', com a reciprocidade de um abraço e a
demonstração crua das minhas fraquezas. Creio que ele também sentia o mesmo,
mas, ao contrário de mim, parecia bem mais preparado para se doar e se entregar
àquilo que estava sendo vivido. Sem uma explicação racional e, por puro
instinto, só senti que eu poderia segurar a sua mão e trilhar esse novo
caminho. E fui...
Sinto a sua cabeça em meu colo, e me pego totalmente entretida com meus dedos em seus cabelos. Brinco que se ele adiar o cabeleireiro mais uma semana eu vou passar a chamá-lo de Tarzan. Ele me retruca dizendo que deveríamos tomar vergonha na cara e se levantar logo para ir ao supermercado. É sobre isso, minha gente, sempre foi!
Por que você demorou tanto?
Mas o destino não dá respostas, ele só
acontece. E que bom que a gente
aconteceu!
_Fica comigo, meu gostoso?
_Fica comigo, minha gostosa?
E assim nos demoramos mais uma hora até finalmente viver a
vida lá fora. Não temos pressa, o nosso universo também acontece aqui e merece
ser desfrutado intensamente, des-pa-cio.
A Pequenininha
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