Outono
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Photo: Renan Carlos |
Digamos que, no meu caso, houve uma falha estrutural desde a base na qual eu não soube consertar. E aqueles muros recém edificados, que pareciam lindos aos olhos externos e, por um breve momento, internos também, começaram a ruir.
Nossa sinergia era incrível desde o primeiro momento! E a forma como tínhamos gostos e pensamentos parecidos chegava a impressionar! Era como se eu o conhecesse há muito tempo, era como tivéssemos que inevitavelmente se esbarrar. E sei que ele sentiu o mesmo e que no início isso nos assustou um pouco. Mas era tão bom, tão incrivelmente bom, que só mergulhamos, juntos! E eu pisquei para os céus e pensei comigo mesma: 'agora vai!'
Com ele nunca me senti tão acolhida e à vontade! O abraço dele era tão forte que eu tinha que buscar um espaço por entre seu peito para conseguir respirar! As regatas dele viraram meus pijamas e a minha nécessaire já não se desmontava porque era praticamente certo que eu passaria um final de semana foda com ele!
Só que uma coisa que pesa muito e deve ser considerada em um relacionamento é a história pregressa de cada um. Antes que nossos caminhos se cruzassem, cada um tinha uma história com suas angústias, traumas e vivências. Relacionar-se requer muita conversa e convivência para que caminhos distintos, porém complementares, se alinhem. E, no caso dele, havia uma angústia que o torturava, o confundia e me confundia. Era algo tão sensível que o diálogo não conseguiu alcançar. E essa ferida simplesmente começou a infeccionar e adoecer o nosso relacionamento.
Com poucas semanas de convivência pude notar uma dicotomia muito grande em seu comportamento. Se os finais de semana eram mágicos e íntimos, os dias da semana se passavam de forma fria e distante, com pouco ou quase nenhum contato. Era como se ele quisesse que eu o conhecesse, mas não demais; como se quisesse a intimidade, mas só até certo ponto; era como se ele gostasse muito de tudo aquilo, mas se questionasse até sobre isso.
E percebi que essa insegurança partia dos seus medos. Medos que vieram antes de mim e com os quais ele não sabia lidar. Fraquezas que, com o aprofundar da intimidade de um casal, seriam inevitavelmente expostas e, para não as expor, ele mantinha uma distância segura que o deixava confortável diante da situação.
E eu tentei conversar, tentei me mostrar aberta para ele ser ele mesmo diante de mim, mas nada funcionou. Era algo que ele tinha que trabalhar com ele mesmo antes de trabalhar com o outro. Fiquei triste por ele, por essa barreira intransponível que impedia que eu o ajudasse e, depois, lamentei por nós e por esse fechamento minar tanto o nosso relacionamento a ponto de mal conseguirmos manter o nível mais basal da comunicação.
Havíamos construído memórias maravilhosas juntos, mas nos encontrávamos em um entrave sem aparente solução. E, conforme os dias se passavam, eu percebi que apenas eu estava aberta e depositando os meus tijolinhos na relação. E esse é um investimento alto demais para se fazer sozinho! Então os olhares passaram a não se encontrar com a mesma frequência e sintonia, as incertezas foram ocupando o lugar dos carinhos e as noites mais solitárias passaram a fazer a sua vez no lugar das manhãs juntos e abraçados.
'Que não seja imortal, posto que é chama; mas que seja infinito enquanto dure'. Assim declamou Vinícius de Moraes em Soneto de Fidelidade e assim eu também declamei quando decidi dizer adeus. Com ele eu elevei o meu parâmetro de coisas boas do que espero em um relacionamento e vivenciei, ainda que breve, uma relação madura e gostosa. Com ele eu defini o que eu espero de um homem e o potencial do que posso oferecer como mulher e companheira.
Ele foi o meu melhor outono! Com ele vivenciei os mais lindos pores do sol, mas também o início das minhas noites mais frias e longas. Às vezes penso que não queria ter passado por isso, mas talvez eu fosse necessária para ele, talvez ele fosse necessário para mim, talvez nós deveríamos ser um para o outro para depois sermos melhores em nossa solitude. E assim, como todas as fases que chegam e se vão, o inverno também se aproxima.
A Pequenininha
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