O feminismo me salvou
Eu sou a terceira de uma geração de mulheres guerreiras que deram a vida para criar os seus filhos, praticamente que sozinhas, enquanto eram subjugadas pelo abuso de seus maridos. Foram mulheres que sofriam, quase que diariamente, violência dos mais diferentes tipos e se mantinham caladas. Mas o feminismo me salvou! Hoje eu posso dizer que eu consegui quebrar as correntes para trilhar o meu próprio caminho.
De onde eu vim é muito fácil
odiar os homens. Na verdade, eles não eram odiados porque seus atos
infelizmente eram normalizados. E se não eram normalizados, era a função da
mulher tentar ‘consertar’ as coisas para salvar o casamento, sua família e a
sua reputação.
E foi assim que minha avó foi nomeada ‘mulher de fibra’ quando se viu obrigada a receber seu ex-marido alcoólatra de volta depois dele perder tudo no jogo e na bebida e se tornar um adulto praticamente afuncional. ‘– É pelo bem dos nossos filhos’ – dizia ela enquanto engolia essa realidade junto com mais um comprimido de Rivotril.
Assim também
era com minha mãe, que não me poupava das verdades amargas de seu casamento em
ruínas. Isso ia desde brigas diárias com direito a grandes escândalos até as
suas confissões íntimas de como ele chegava alcoolizado e ejaculava nas suas
roupas caso ela se negasse a fazer sexo com ele. ‘Foi uma boa esposa, cuidou
dele até o fim’; diziam todos em consolo após a morte do cônjuge. E assim ela
decidiu que seguiria por todo o resto da sua vida como viúva. Não para honrar o
seu marido, como alguns talvez pensem, mas para honrar o resto
de sanidade e amor próprio que lhe havia restado.
Dessa forma, essas e tantas outras mulheres aguentaram, muitas vezes em silencio, situações de dor e constrangimento causados pelos seus companheiros até que o destino se encarregasse de dar um fim a tudo isso (ou não). Mas elas, por si próprias, tinham medo ou se sentiam muitas vezes inseguras e incapazes de fazê-lo. E quando você olha para o lado e percebe que essa é uma situação que se repete categoricamente, se conformar e aceitar sobreviver naquela realidade parece ser a solução mais aparente.
Mas comigo foi diferente. Eu nasci
e cresci com um espírito inerente de rebeldia e inconformidade com a realidade
em que vivia. E foi assim que eu decidi não aceitar aquela condição e dar um
novo rumo para a minha história! Definitivamente, a minha mente aberta não combinava
com a realidade daquele lugar.
Enquanto consumia e me deleitava
cada vez mais em conteúdos de liberdade afetiva e sexual, igualdade de gênero,
empoderamento e consciência do amor próprio; me sentia podada pelo
tradicionalismo das instituições e das pessoas ao meu redor. Às vezes nem eram
pessoas distantes. Às vezes eram pessoas que eu tinha como amigas, mas que eram conformadas e rasas em sua criticidade e que preferiam se ‘adaptar ao meio’ à transgredi-lo. Às vezes era
minha própria mãe que, por não conseguir sair daquela realidade, pensava que
era a única possível. Às vezes eram os meus primeiros namorados que, com a
desculpa de cuidado, repreendiam o meu desejo sexual, a minha dança, os meus
contos eróticos e tudo que pudesse ressoar fora do padrão de ‘mulher brilhante, mas dentro dos meus termos.’
Eu me sentia dentro do próprio 'Mito da Caverna' de Platão! Ainda assim, não desisti de buscar a luz, a minha
luz. Lutei e resisti! Aos poucos, e ao longo das minhas vivências, eu passei a ter
a convicção de que era melhor ficar sozinha a viver em um relacionamento que
não fosse pautado pelo respeito e reciprocidade! Parece até óbvio quando escrevo
nesses termos, mas a realidade era muito mais árdua e desanimadora.
Dessa forma, eu dei início a uma luta
diária por autoconhecimento, conhecimento sobre a vida, as pessoas e as
relações. E não tem como: há certas coisas que só se aprende vivendo! E como eu
só tinha referência de relações nocivas ao meu redor, não vou negar que por
muitas vezes me meti em relações ruins e fiquei com marcas profundas. Mas não
desanimei. Aprendi que depois da dor vem o aprendizado e, principalmente, aprendi
a me perdoar e a ter amor próprio para seguir em frente nessa caminhada.
Por falar nisso, foi o amor que me trouxe uma nova perspectiva! Uma vez consciente do que eu queria, foi através do amor
e da fé que eu fui em busca de uma nova realidade. Se o feminismo me salvou, o
amor ressignificou a minha vida!
Primeiramente, o amor a Deus que
não cansava de me surpreender com a sua providência e proteção. Em seguida, o
amor por mim mesma; procurando sempre me respeitar e me priorizar a cada
escolha. E, finalmente, o amor pelas coisas que eu acreditava e onde coloquei
todo o meu empenho para me sentir uma pessoa realizada e independente.
E eu vi que o feminismo não é um
movimento de ódio, como muitos pregam. Muito pelo contrário! É um movimento de
amor e reconhecimento para devolver à nós mulheres o nosso valor e dar voz às nossas
necessidades. Não é sobre ‘eu me basto!’ Até porque somos seres sociáveis e
socializar nos é inerente. Mas é um movimento que ensina sobre ‘eu me amo’ e, por me
amar, eu não aceito menos que o amor na sua melhor versão; tal qual o que eu
cultivo em mim e quero dar e receber em troca. É a partir desse ponto que criamos
um ambiente de equidade, de solidariedade e de relações saudáveis.
Hoje eu sou a terceira de uma
geração de mulheres fortes e guerreiras. Acredito que, agora, também posso dizer que sou a primeira a dar um novo rumo ao meu destino e a essa história. Nada
será como antes!
De uma feminista, amante, amada;
A Pequenininha
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