Um namoro de 12 dias – parte 3/3 – O trágico término e o após



Era manhã, tive um sono pesado, acho que eu estava exausta. Senti que o sono me fez bem, mas bastaram apenas alguns segundos para o turbilhão de pensamentos sobre o dia anterior vir à tona. Foi como uma onda forte que você consegue atravessar e, quando baixa a guarda e pensa que poderá finalmente respirar aliviada, ela volta com força total e te pega no rebote! Eu senti como se tivesse me afogando naquelas memórias, me sufocando! O buraco retornou e com ele o misto de sentimentos estranhos e ruins; agonia, nojo, raiva, tristeza, vergonha, e aquela pergunta que não saia da minha cabeça: ‘por que? ’

Se ele falou que me amava, por que ele não me respeitou? Por que ele não me escutou e viu que eu não estava bem, que estava machucada e não podia fazer a penetração? A gente tinha tanto para aproveitar, eu queria tanto aproveitá-lo de tantas outras diferentes formas, por que ele infringiu a única coisa que não podia? Por que ele me violentou? As perguntas giravam como um redemoinho na minha cabeça mas sem respostas que pudessem me trazer paz. _Fato curioso: é muito difícil para mim escrever tudo isso, inevitavelmente começo a chorar copiosamente. Coloquei uma playlist aleatória no YouTube e, exatamente agora que escrevo este parágrafo aos prantos, começa a tocar ‘Oasis - Stop Crying Your Heart Out’. Coincidência?

As pessoas falavam tão bem dele que era difícil acreditar que a pessoa que escolhi namorar era a mesma do dia anterior naquele motel. Doía muito, mas não sabia exatamente como lidar com isso. No final da tarde, quando tive privacidade em casa, mandei mensagem ao meu melhor amigo e ali, no áudio enviado como mensagem, finalmente tive coragem de assumir para alguém, e para mim mesma, o que tinha acontecido.

Não foi fácil! Falar com alguém me ajudou a ter apoio, a ter consciência dos fatos, mas não diminuiu a minha dor. E eu ainda ia ter que lidar com o meu namorado, aquele que abusou de mim, mas como? Ainda não estava preparada para olhar em seu rosto. Tínhamos nos programado de nos ver, mas, por mensagem de texto, pedi para darmos um tempo e ele concordou. Era o melhor a ser feito. Precisava pensar em tudo, precisava cuidar de mim, precisava me recuperar! Mas os dias se seguiram muito difíceis, minha cabeça estava inundada com os pensamentos daquela noite, com as sensações, com as repulsas!

Viajei para uma cidade próxima, tinha uma consulta com a ginecologista que tinha marcado há uma semana. Era dia 3/01, três dias após o ocorrido, e ao avaliar meu canal vaginal ele ainda estava irritado, lesionado, e minha médica passou um remédio para melhorar e cicatrizar. Contei por alto o que aconteceu, chorando, com vergonha, mas senti empatia em suas palavras. É como se eu não fosse a primeira mulher que já havia chegado ali naquelas condições: frágil, com uma história de abuso, com companheiros que não respeitavam as suas mulheres.

Ir para outra cidade não foi intencional, era algo que já estava programado desde antes, mas veio como uma providência pois precisava respirar novos ares. Apesar disso, a ansiedade, a tristeza e os pensamentos continuavam me atormentando, alcançando picos insuportáveis! Não podia comer um pão ou beber uma água pois passava mal com absolutamente tudo e já estava muito fraca! Eu me conhecia e sabia o que aquilo significava: enquanto não me resolvesse com meu namorado meu psicológico ia me torturar cada vez mais e o mal-estar físico ia ficar cada vez pior. Foi quando liguei para ele, mas ele não atendeu. Tempos depois me perguntou por mensagem por que eu liguei, pedi para me retornar, ele não quis e pediu para conversar por mensagem de texto no Whatsapp.

Por texto eu tentava expressar minha angústia, mostrar que o que aconteceu foi errado, mostrar que existiam outras formas de aproveitar aquela noite sem faltar com o respeito e o consentimento. Já ele me culpava, dizia que eu o provoquei e então percebi, pelo caminhar da conversa, que nada que eu dissesse ia mudar a opinião da cabeça dura dele. Ainda por mensagem de texto, vimos que era impossível prosseguir a relação. Ele dizia que devíamos ter ido mais com calma (como se para respeitar uma pessoa você precisasse de tempo) e que a culpa do término era dele, que ele ainda não estava preparado para um relacionamento, etc, etc... Acho que ele estava querendo ter um término ‘amigável ’, mas eu só conseguia pensar _‘Óbvio que a culpa é sua! Foi você que foi um machista escroto que me violentou! ’ Mas, além disso, pensava que seria impossível eu olhar com carinho para ele novamente. E, outra, ele não estava arrependido do que fez! Ele não conseguia pensar no meu lado mesmo que eu explicasse de infinitas formas para ele! Não tem como se relacionar com alguém assim!

Ainda assim insisti em marcar um encontro pois queria olhar nos olhos dele e fazer a pergunta que me torturava: ‘Por que? ’ Queria, sei lá, deixar um ensinamento para que ele não fizesse isso com as próximas mulheres que passassem na vida dele, queria que ele sentisse empatia pela minha dor, que olhasse nos meus olhos e vesse como estou, e eu talvez olhar nos olhos dele e tentar achar um pingo de arrependimento que fosse, tentar não sentir tanta raiva. Mas ele não quis me encontrar, por covardia, medo ou vergonha, sei lá, e depois de um tempo também não insisti. Nunca mais o vi desde o fatídico dia 31.

A verdade é que ele não é um criminoso, mas seus pensamentos retrógrados, suas crenças machistas o fizeram cometer um crime! Ele é um cara trabalhador, inteligente, esforçado, como muitos, mas que pode cometer esse grave erro novamente por não ter noção de respeito, empatia e consentimento. E a violência sexual, inclusive dentro de relacionamentos, é mais comum do que a gente imagina! Minha mãe passou por isso, certamente minhas avós também; quantas histórias tristes e amargas certamente elas guardam consigo! Até hoje, infelizmente, muitos pensam que mulher tem que ser submissa, recatada, sem desejo e à pronta disposição do homem. Participo de um grupo de discussão de sexualidade no Facebook e ao lançar este tema ‘sexo sem consentimento’ fiquei surpresa, abalada e profundamente triste com a quantidade de histórias de meninas que, assim como eu, sofreram abuso sexual. Mulheres marcadas para sempre pelo machismo e a violência!

Mas, afinal, como estou agora? Bem, esta série de três textos é uma tentativa de extravasar e acalmar os tormentos que ainda estão dentro de mim. Não é fácil expressar em palavras o que estou sentindo. Tenho momentos alegres, mas quando estou sozinha esta onda de sentimentos ruins parece que volta com tudo, me perturba, parece não querer ir embora! Também sinto que estou quebrada! Afastei todos os caras que tinham interesse em mim; ainda não estou muito receptiva ao toque, não consigo confiar, e não me vejo beijando ou namorando como fazia antigamente. Também não estou conseguindo ter prazer vaginal. Isso sempre foi difícil, confesso, mas parece que agora virou uma missão impossível! Mas acho que depois de tudo creio que é algo até esperado e estou tentando respeitar o tempo de recuperação do meu corpo e mente. Também sinto muita raiva e tristeza, não consigo me conformar! Quero quebrar tudo, queria que ele sentisse a minha dor, mas depois só quero chorar e sumir de tudo e todos! Tudo isso me consome diariamente, como se fosse um turbilhão de pensamentos e sentimentos que vem e vão e ainda me angustiam e aterrorizam.

Apesar de estar tudo obscuro agora eu tenho fé de que eu vou melhorar! Já passei por tantas coisas, não é verdade? Eu estou fazendo de tudo para ter uma vida saudável novamente, sem me torturar tanto, sem guardar tantos sentimentos ruins. Hoje ainda é um dia cinza, mas espero dar boas notícias em breve!

De uma menina que, podem apostar, saíra desta mais forte!

A Pequenininha

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