Sem palavras
“Mas, antes de vê-lo internado eu ainda conversei com ele quando ainda estava na casa de vó. Foi uma conversa simples, sem sentimentalismos, mas que iria me marcar para sempre.
Digamos que o meu relacionamento com pai nunca foi dos melhores pelo fato da bebida e da ignorância ter estragado nossa convivência familiar e por sermos intolerantes e impacientes sem nunca resolver as rusgas que surgiam em casa. Somente quando ele ficou doente e já não conseguia beber é que pudemos trocar palavras sem farpas. E é até difícil dizer isso, mas, do que eu me recordo neste momento, durante toda a minha vida e minha convivência diária com ele a única vez que conversamos de forma aberta, séria e sem nos estranhar foi essa vez em que me encontrei com ele. Foi a 1ª e última vez que conversei com ele e isso pra mim foi tão importante que eu não vou esquecer nunca!!!
Tipo que no dia anterior ele queria muito ir embora para Janaúba e estava começando a se desesperar. Acho que ele já tinha noção do que se passava com ele e que aquilo não tinha cura. Ligaram-me para poder ver isto e ligaram para mãe que viria assim que pudesse. No outro dia fui até a casa de vó e ele já estava mais calmo. Perguntei então porque ele queria ir embora e creio que ele se sentiu incomodado por ter muitas pessoas ao redor e disse que depois me falava.
Quando ele já se encontrava sozinho deitado em uma rede ele me confessou que estava muito cansado, que das diferentes formas que ele se ajeitava sempre era pra sentir grande dor, falou que acreditava não ter tratamento ou esperança… Tudo isso com bastante dificuldade porque o tumor já estava nos pulmões, o que o dificultava de falar e respirar.
Na tentativa de acolhê-lo e consolá-lo cheguei mais perto dele, me aconcheguei ao lado da rede e falei que estávamos fazendo tudo para que ele melhorasse; não só com recursos médicos mas também através da medicina caseira e muita oração. Falei que tinha muita gente torcendo para que ele ficasse bom, inclusive a gente, e que todo tratamento que estava ao nosso alcance estava sendo feito e que agora era rezar muito para que tudo desse certo.
Perguntei então se ele rezava, se ele tinha fé e acompanhava quando minhas tias ou minha avó rezava perto dele. Nesse momento ele se mostrou um pouco indiferente e disse que não. De fato, pai nunca se mostrou interessado com religião e acho que ele nem sabia rezar o Pai-Nosso ou a Ave-Maria direito.
Ele falou então que estava cansado e que precisava descansar. Ainda comentei com ele sobre a cartinha que eu falei que escreveria para ele e que queria que ele me retornasse. Ele então ficou com um ar intolerante e só falou que já sabia, que eu já tinha falado isso. Então ele me pediu um copo d’água e quando voltei percebi que ele havia chorado um pouco. Vi que ele precisava de um tempo para descansar e pensar, então falei que para qualquer coisa que ele precisasse eu estava ali.
[…] No dia seguinte mãe veio à Montes Claros com a intenção de levá-lo para Janaúba. Ele foi levado novamente para a médica oncologista que o achou bastante debilitado e, com o consentimento de pai, ele foi internado. […] Foi assim que no dia 15 de março de 2009, às 23:30 horas, meu pai faleceu. […] Mal consegui dormir. Rezei muito pelo descanso eterno de pai e, de certa forma, fiquei aliviada por saber que ele não estava mais sofrendo em uma cama de hospital.”
Trecho do 4º volume do diário A Pequenininha, escrito entre 17 e 18 de julho de 2009.
Porque existem coisas dentro de nós que nos deixam sem palavras... ou talvez seja porque simplesmente não existam palavras para descrevê-las.
Bjus… A Pequenininha.
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