Parte de mim
Porque essa eletricidade insiste em pairar no ar?
Porque te ver, mesmo após tantos
anos, ainda mexe tanto comigo?
Nos encontramos por acaso no
corredor de um supermercado, em uma passagem rápida pela cidade para visitar
alguns amigos e parentes. Parece que o tempo não o modificou em nada: mesmo
sorriso, mesmo jeito de andar e o mesmo olhar penetrante que me desconcertava
toda!
– Anna?! – Ele me notou
primeiramente com um ar incrédulo por me ver diante dele.
– Rodrigo?! – Respondo ainda mais
surpresa e com um frio que percorre toda a minha espinha até o topo da cabeça.
Fiquei imediatamente nervosa e com o coração palpitante.
Nessa momento ele veio em minha
direção e parecia que, por alguns segundos, eu fui teletransportada pelas minhas
memórias para o ano de 2013, quando ainda éramos namorados. Tanto tempo que,
para nós, pareciam poucos dias ou horas, tal qual era a nossa sinergia e intimidade.
Era possível perceber também o nervosismo
dele. A fala um tanto quanto agitada e aqueles olhos castanhos escuros, vívidos
e brilhantes, me fitando continuamente. Enquanto ele falava, me
olhava profundo e continuamente, como que adentrando no mais íntimo do meu ser
sem sequer pedir licença e mostrando que já conhecia o caminho.
Conversávamos sobre como estava a
nova fase das nossas vidas. Fazíamos aquelas perguntas corriqueiras que, apesar de simples, demonstravam o nosso ânimo e grande desejo de adentrar novamente um no mundo do outro. Falávamos muito em pouco tempo. Era como se soubéssemos da brevidade do nosso
encontro e quiséssemos torna-lo eterno. Foi curioso porque ficamos muito
felizes e, ao mesmo tempo, receosos e um pouco tensos. A chama do nossa paixão insistia em reacender e ela parecia tão vívida quanto perigosa!
E a cada frase nossos corpos,
quase que involuntariamente, se aproximavam. Eles pareciam sentir a energia um
do outro e o despertar da memória daquilo que já foi um só. Simplesmente se atraíam como ímãs;
algo inevitável! Estar tão próximo dele despertou toda a minha lascividade e
sensações adormecidas, mas que agora pareciam mais fortes que nunca!
E me recordei que esse não foi o
nosso primeiro reencontro. E a grande maioria deles eram tão ocasionais quanto
intensos! Seria esse como o da última vez em que te vi? Estávamos próximo de casa
quando nos abrigamos em um canto escuro e, sedentos, nos beijamos e nos agarramos
sem pudor. Enquanto me beijava, você me masturbava deliciosamente até me fazer gozar
como se houvesse mais ninguém além de nós dois no mundo! Ou quando marcamos em
um bar, mas acabamos na sua casa na surdida, para não chamar a atenção da sua
família. Lembro que, apesar de nossos esforços, a missão falhou miseravelmente
depois que minha presença foi denunciada pela minha bolsa esquecida no sofá da
sala. Rsrs (rindo de nervoso). E os nossos banhos? E o nosso sexo? E o seu
cheiro que ainda é o mesmo? E o nosso clima pós-sexo tão vívido e palpável que
é como se ainda o conseguisse sentir? E quantas vezes testamos os nossos
limites, a nossa intimidade, a nossa entrega e fomos muito, muito felizes!
As sensações ali despertadas
pareciam querer dizer que, apesar de tanto tempo e tantos acontecimentos, ele ainda era meu, eu ainda era dele, e o nosso desejo ainda era muito real e presente! Estar com ele uma vez mais era tudo o que mais queria! Mas quando dei por fé disso, procurei me conter e voltar à racionalidade. Diante do meu total desconserto,
desviei um pouco o olhar, me recentralizei para onde estava e o que estava
fazendo e procurei não me deixar levar por esse mar de sensações que estavam me
dominando.
Ele, então, segurou a minha mão, se
aproximou ainda mais e me perguntou até quando eu ficaria na cidade. Isso me desmontou
totalmente! Aquele era o meu último dia, mas agora não queria mais que
o fosse. Não vou mentir que, naqueles breves instantes, pensei em mil desculpas
para postergar a minha estadia só pela chance de tê-lo comigo. Pensei internamente em como queria
sentir mais uma vez aquele calor junto ao meu, o nosso suor, nossos gemidos, as
expressões de baixo calão e ao mesmo tempo as nossas juras de amor compartilhadas.
Mas não, não era o certo a se
fazer! E, apesar de todo esse conflito, fui resoluta em limitar o nosso encontro
àquele momento.
Por mais que eu queira reviver tudo isso, assim como ele, foi um longo processo até nos curarmos das
cicatrizes que esse relacionamento nos deixou. Se houve muitos reencontros foi porque também houveram muitas tentativas. Infelizmente, todas elas esbarravam nos
mesmos problemas, irreconciliáveis: realidades de vida distintas, propósito de vida distintos. Havia muito amor, sem sombra de dúvidas,
mas também havia diferenças. E esse processo foi muito doloroso para ambos.
O tempo e a distância nos curaram.
Talvez o certo seria não tirar a casquinha da ferida. Então, por mais tentador
que fosse o meu, o nosso, desejo, resolvi abdicá-lo. Foi quando lhe disse, com pesar, que não haveria a possibilidade pois viajaria dentro de poucas horas.
Ele então me olhou intensamente,
como se esperasse por mais, como se soubesse que a real resposta não era aquela que acabara de dizer. Seu olhar vívido penetrou o mais profundo da minha
alma! Mas ele, que me conhecia como ninguém, encontrou nas palavras não ditas o
porquê da minha negativa e abaixou por um instante a cabeça, como que querendo
processar todas aquelas sensações que também perpassavam por ele. Foram apenas
alguns segundos até ele voltar-se novamente para mim; agora com um
sorriso leve, um pouco triste, mas incrivelmente amável! E ali ele beijou a minha
cabeça, me deu um abraço forte, e em seguida segurou as minhas duas mãos enquanto
me fitava:
– Você é maravilhosa, Anna!
Espero que dê tudo certo no seu novo trabalho! Eu nunca duvidei de que você
chegaria lá e estou muito feliz por você!
– Obrigada, lindo, por me
entender! Muito obrigada! Você não sabe o quanto isso significa para mim! Você também não tem ideia do quanto torço por você!
– Eu tenho. Arrisco dizer que tenho. E que bom foi te rever!
E assim nos despedimos.
Fizemos o
certo? Como adultos maduros, eu creio que sim. Como jovens apaixonados, talvez nem
tanto.
Confesso que por vezes me pego pensando no que vivemos. Sinto por ter me silenciado naquele dia quando
na verdade queria estar em seus braços. Mas foi preciso me afastar para que essa
chama não nos consumisse por completo e não nos ferisse ainda mais. Era o que tinha que ser feito: por
você, por mim, por nós e pelo que há de vir!
Ainda assim, não há como negar...
parte de mim estará para sempre aí, com você!
A Pequenininha
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