Verbena

 


Mais um dia cansativo e o corpo parece que só pede por um banho que lave, com ele, toda a carga negativa e traga uma noite de sono restauradora! Um beijo, um abraço, e o desejo de sonhar com algo muito bom que me desorbite de todas as preocupações e problemas da minha rotina.

E assim eu me junto à minha morena, minha namorada, em um fim de mais uma sexta-feira. Comemos algo, compartilhamos uma cerveja gelada. Subimos para o quarto. Eu a aguardo sair do banho para iniciar o meu. Eis que, quando estou saindo do meu banho, sou surpreendido com mais uma de suas ideias!

– Vem cá amor, hoje é a minha vez!

Ela me aborda com sua voz calma, mas um tanto quanto determinada e empolgada para executar algum tipo de plano.

–  O que você quer dessa vez? – Pergunto já me preparando para negar, uma vez que estava exausto!

– Só deita de costas e relaxa. – Ela me responde em um tom baixo e romântico que eu achei tão doce que não quis contrariar. Nem queria, na verdade. Deitar me parecia uma boa ideia.

Deitei-me, como ela havia pedido, e ali me peguei pensando em aleatoriedades. A luz amarela da minha luminária sobre a mesa de cabeceira dava um tom bucólico, mas ao mesmo tempo aconchegante. Olho para a mesa e vejo alguns pequenos objetos deixamos pós trabalho e um livro sobre filosofia oriental. Provavelmente não o leria aquela noite.

Inclino o pescoço mais um pouco e vejo, através da janela aberta, um céu claro, bonito inclusive, com um par de estrelas que brilhavam fortes, destacadas das demais. Me peguei pensando, rindo, que aquelas eram como dois amigos que saem pela noite para desfrutar da boêmia sem se preocupar com o dia seguinte. Pensei, rapidamente, que já fui muitas vezes como aquele par de estrelas. Eu e uns poucos e bons amigos; andarilhos das ruas quentes do Rio de Janeiro, festejando de bar em bar até o nascer do sol. Me peguei rindo novamente, até um pouco surpreso de como essas lembranças me levaram para tão distante, achando graça das minhas recordações.

Então giro o meu rosto para o outro lado e me deparo com ela. Despretensiosa, ela procura algo em sua bolsa e logo o acha, trazendo-o envolto em suas duas mãos como um segredo. Ela usava, como sempre, uma roupa minha; uma regata branca, destruída, diga-se de passagem. Nem questionava seus pequenos furtos. Gostava, inclusive, da sua sutil invasão às minhas gavetas. Ela também trajava uma calcinha preta de algodão e apenas isso; não era preciso mais. Seus cabelos estavam amarrados no topo da cabeça, com seus cachos emaranhados como em um coque, o que era uma tentativa de aliviar o corpo do terrível calor que fazia naquela noite. Seus passos eram leves, como que não querendo fazer mais barulho do que era inevitavelmente necessário. Tão leve ela era que quase não percebi quando ela subiu novamente sobre a cama e se colocou ao meu lado com o frasco nas mãos.

Sinto os seus dedos delicados se entremearem e massagearem os meus cabelos na região acima da nuca, enquanto me deparo com seu ar risonho de menina-mulher.

– Ahhh... isso é muito bom! – Me peguei pensando comigo mesmo enquanto recebia o pequeno afago.

Esse carinho se prolonga um pouco, mas não tempo o suficiente para eu já cair no sono. Sinto, então, ela subir sobre o meu corpo. Seu peso sobre o meu e nossos dedos entrelaçados.... Isso por si só já é uma puta massagem! Ela beija o meu pescoço e intercala com pequenas mordidas... beijos, mordidas, beijos mais molhados e mordidas mais fortes... nuca, trapézio, nuca novamente, descendo pelas costas... um vai e vem de movimentos repetidos e deliciosamente envolventes!

Em seguida, sinto o derramar de um líquido nas minhas costas. Era óleo de massagem, afinal, o que continha no frasco que ela trouxera. Era um cheiro herbal, levemente refrescante... suave e ao mesmo tempo marcante. Verbena, ela disse, me respondendo sobre a origem de tal aroma. E emenda a sua fala com a pergunta de onde ela deveria concentrar os seus movimentos. Indico a minha lombar, que realmente estava clamando por um cuidado especial.

E assim ela desliza as duas mãos até a região inferior das costas e inicia os movimentos diagonais com seus polegares e com os punhos cerrados... de baixo para cima, com a pressão exata para atingir minha fibra muscular. Sinto a ascensão delicada dos movimentos, demorando-se um pouco ali... depois para o outro lado, em repetição. E à medida que ela se dedicava àquela massagem eu ia me sentindo mais relaxado e mais entregue.

Sinto que ela se diverte ali, como uma aluna que gosta de instruções. Alguém que quer pegar prática, que tem carinho em querer fazer aquilo. E ela se demora, e me massageia... subindo pela minha coluna, cada asa das minhas costas, meus cansados trapézios, um por um, subindo em seguida para a nuca e depois descendo novamente...

Em um determinado momento sinto ela parar, como que querendo dizer algo, mas hesitando. Após uma pequena pausa, sinto o ímpeto da sua curiosidade falar mais alto:

– Que marca é essa? – Ela aponta, percorrendo por cima, com a ponta do seu dedo indicador, uma das cicatrizes que possuo nas costas. Um queloide de uns 10 centímetros em ambos os lados das costas, simétricos.

– Foi da época em que servi no exército. – Respondi após uma breve respiração, sem dar muitos detalhes.

Ela não me perguntou mais. Eu até responderia caso ela quisesse adentrar nesse assunto, mas ela não quis. Talvez porque soubesse que não precisava.

Ela sabia que eu carregava comigo muitas marcas, externas e internas. E, extraordinariamente, eu sentia que ela me amava mesmo assim, apesar de todas elas. Eu também, percebia que ela carregava consigo muitas marcas. Não tanto externas, como as minhas, mas muitas internas. Marcas que eu nem ousaria perguntar a não ser que ela um dia se sentisse aberta para falar sobre.

E assim era a gente: com nossas cicatrizes, nossas trajetórias, com a nossa profundidade e o genuíno desejo de amar e ser amado de forma edificante e sincera, trilhando um caminho totalmente novo e fruto de todo o aprendizado que acumulamos. E não tem como não amar essa complexidade, o nosso encontro na doce imperfeição, nossa energia que se equilibrava em meio ao caos.

Assim seguimos a nossa sessão de massagem e conversa... uma... duas horas? Quem sabe!  Foi tempo o suficiente para nos entregarmos aos movimentos, à respiração, à música, às breves risadas entre comentários aleatórios e sutis. A intimidade e o amor preenchiam os nossos corações, tal qual o cheiro de verbena nos nossos corpos e em cada cantinho daquele quarto.

Sinto, aos poucos, seus movimentos de massagem ficarem mais lentos e espaçados. E assim ela finaliza: me beija na orelha, me vira, e aos poucos desliza o seu rosto sobre o meu até o encontro apaixonado de nossas bocas. Mais um abraço... mais um olhar...

– Vamos dormir? – Ela sussurra em meu ouvido.

– Vamos, amor!

Ela guarda o frasco, eu apago a luz. A música continua tocando, agora em menor volume, porém ainda embalando a nossa noite. Ela me abraça forte, sendo a parte superior da conchinha: suas pernas entrelaçadas nas minhas, suas mãos sobre o meu peito, seu respirar na altura da minha nuca e seu calor totalmente unido ao meu, como que em um só corpo.

De olhos fechados, eu me sinto envolto... aquele solo suave e melancólico de violão, o cheiro que nos inebriava, meu corpo relaxado, sua voz suave e alegre ao pé do meu ouvido dizendo o quão bom era estar comigo, assim, daquele jeito...

Tão sensual sem, contudo, ser sexual. Era nessa atmosfera que construíamos o nosso amor!

Por vezes, ele tinha cheiro de suor e saliva; outras, pipoca com manteiga. Havia momentos em que nosso amor cheirava café recém passado com pão e queijo derretido... huuum! Eu particularmente amava e dava muito valor a esses momentos! Agora, nesse exato momento, me pego ao lado dela, na certeza de que vou dormir um sono tranquilo imerso em nossa atmosfera de verbena.

Ai ai, verbena... você tem cheiro de calma e intimidade! Essa noite também descobri que você tem cheiro de amor. Meu amor por ela e o dela por mim... o amor mais verdadeiro e marcante que tive a sorte de poder viver! Eu nunca me esquecerei disso!

A Pequenininha

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