O opaco da morte
“Come break me down/ Bury me, bury me/ I am finished with you.” The Kill – 30 Seconds to Mars
Quando meu pai estava com câncer terminal tive certeza de que ele não sobreviveria quando, olhando nos olhos dele, não conseguia ver mais brilho algum, como se não houvesse mais vida a ser gasta. Depois disso passei a ter a crença pessoal de que a vida tem um certo brilho especial que se revela através do olhar, como se transparecesse a presença da alma. Verdade ou não a morte parece ser uma coisa opaca e misteriosa, apesar de ser a única certeza de nossas vidas.
Muitas religiões consideram que a alma é o que dá a vida. Se a morte é a perca da alma, então podemos considerá-la de dois tipos: podemos morrer fisicamente, ou deixar que o a morte nos tome ainda em vida, tornando-nos mortos em essência.
Quanto à morte física não há muito que dizer. Somos mortais, independente se acreditamos em vida após a morte ou não, todos nós teremos o mesmo destino do fim carnal. Observo que quanto mais velhos, menos vigor há no olhar. Isso ocorre não só pela vista que fica mais seca e debilitada com a idade, mas também pelo desgaste em que a pessoa passa. Há idosos e doentes que nunca perdem esse brilho e até o último dia de suas vidas permanecem com eles, em outros essa mudança é perceptível. O corpo se cansa, o peso da experiência de vida se torna maior, a vida vai esvaindo de forma incerta ou mais ou menos certa até que o dia do descanso chegue.
Porém o que mais preocupa é aquela morte não ligada ao físico. É quando, mesmo vivos, se permite morrer por dentro. Passa-se a viver sem motivação e esperando, e até desejando, que a morte se antecipe para acabar logo com algo que já parece sentenciado. E assim perdem gradativamente o brilho no olhar as pessoas depressivas, viciadas em drogas, que perdem os valores pessoais ou que negligenciam um cuidado interno (falta de amor próprio). O cuidado da alma é cada vez mais esquecido, deixado como questão de pouca importância. A morte ‘do eu’ é uma morte silenciosa que vem espantosamente aumentando entre a população. Uma morte grave e perigosa, mas que, se cuidadosamente tratada, pode ser reversível.
Hoje a ciência consegue claramente associar problemas sociais e emocionais ao surgimento de doenças fatais e cada vez mais destacadas como principais causas de morte na atualidade. Assim podemos observar o grande número de casos de câncer, problemas cardíacos e de pressão alta, doenças neurais, disfunções hormonais, dentre outros, que estão direta ou indiretamente relacionados a este descuido pessoal. Estas pessoas são tomadas pela angústia que pode evoluir de tal forma a incentivar a tirada da própria vida como alternativa cega de libertação. Ou, ainda, desistem de si mesmas e, não tendo coragem de optar pela morte rápida executada por si mesma, permitem que o caso evolua até uma doença, ou que se afunde mais em coisas que a maior prazo também levam ao padecimento do corpo. E assim vaga muitas pessoas que andam, comem, conversam… mas que não possuem mais o brilho da alma; estão vazias de sentido e de um motivo para continuarem vivendo.
Infelizmente muitas pessoas andam falecendo não só fisicamente, mas também (e principalmente) emocionalmente/espiritualmente. Se esvaziam sem se dar conta, se vendendo por pouco e se rendendo à paixões desordenadas. Quando detectamos esta falha o estrago pode estar feio, a recuperação difícil e a morte praticamente iminente. É primordial e não se pode permitir os sequestros na alma, o roubo de nossos valores, nossas alegrias e direitos. O cuidado e reversão da situação pode estar na busca por apoio médico e psicológico, a interação familiar e social e, principalmente, a percepção de quão valiosos somos e de nossos potenciais de lutarmos pelos nossos sonhos e a felicidade. Pode haver várias alternativas, mas há uma única decisão que deve partir da própria pessoa, a decisão de manter ardente o brilho no olhar e o de não permitir que esse brilho seja retirado ou desperdiçado em nós mesmos e nos demais.
Que não percamos esse brilho nos olhos, o gosto pela vida e pelo viver bem. Que o opaco da morte possa nos tomar por ser a hora certa e não porque chamamos antecipadamente pelo seu nome.
Bjus… A Pequenininha
Ps: Não voltei ainda a atuar como blogueira, apenas tive uma breve inspiração para a escrita e quis compartilhar com vocês.
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